Frente ao delineamento histórico de aspectos sobre a disciplina de Matemática e de seu ensino, propõe-se o seguinte questionamento: qual fio condutor a ser seguido no ensino da Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental?
Este questionamento admite ampla possibilidade de respostas. No entanto, privilegiar-se-á, aqui, a ideia de um ensino e de uma aprendizagem em Matemática com enfoque no social e no cultural.
Essa percepção vem provocando uma imensa reflexão a respeito da melhoria do ensino de Matemática, não só no sentido de concepção de ciência ou de ensino, mas também na busca de novas reestruturações curriculares, possibilidades avaliativas bem como de metodologias e materiais didáticos.
Nesse sentido, perspectivas metodológicas, tais como a Etnomatemática e a Resolução de Problemas, constituem-se em possibilidades viáveis para que outras abordagens como os jogos didáticos, o uso de materiais didáticos e de recursos tecnológicos e o desenvolvimento de projetos e atividades investigativas, desencadeiem um processo de ensino e de aprendizagem que, além de levar em consideração aspectos socioculturais, também considerem o aluno como sujeito participante e colaborador de sua própria aprendizagem, de modo a ter condições de estabelecer relações adequadas entre informações, conhecimentos e habilidades para resolver situações-problema (SMOLE ; DINIZ, 2001).
Vale ressaltar que, exemplos de encaminhamentos das perspectivas metodológicas citadas serão apresentados na sequência.
Adotando-se a Resolução de Problemas como o fio condutor da organização do ensino da Matemática, o enfoque é para que ela seja uma perspectiva metodológica em que a compreensão do aluno se torne o objetivo central do ensino. Desta maneira, seria possível mudar “a visão estreita de que a matemática é apenas uma ferramenta para resolver problemas, para uma visão mais ampla de que a matemática é um caminho de pensar e um organizador de experiências” (ONUCHIC, 1999, p. 208).
Trata-se de uma percepção que entende a compreensão como um processo de aprendizagem, gerada pelo aluno a partir de seu engajamento em construir relações entre as várias ideias matemáticas contidas em um problema e a uma variedade de contextos. Desta maneira, é preciso que o professor entenda que esta perspectiva de Resolução de Problemas “corresponde a um modo de organizar o ensino o qual envolve mais que aspectos puramente metodológicos, incluindo uma postura diferente frente ao que é ensinar e, consequentemente, do que significa aprender” (DINIZ, 2001, p. 89). Em outras palavras, tal ideia significa que o professor deve selecionar e/ou elaborar e propor os problemas matemáticos que agucem o interesse dos alunos em querer resolvê-los.
Para soluções dos problemas matemáticos, não basta as respostas finais, mas, primeiramente, explorar os processos de resolução desenvolvidos pelos alunos, os quais podem revelar as combinações entre o conhecimento prévio do alunos e as estratégias criadas por ele afim de encontrar a solução. Nesse sentido, em se tratando de alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, o trabalho direcionado para a comunicação entre professor e alunos, tende a valorizar e a respeitar os conhecimentos elaborados pelo próprio aluno e pode ser efetivada mediante diferentes registros.
Smole e Diniz (2001) ressaltam os recursos dos registros pictóricos (desenhos), orais (relatos) e escritos (textos e cálculos) como meios viáveis de garantir um canal de comunicação dos alunos a respeito de suas estruturações cognitivas e, ao mesmo tempo, de possibilitar que se avalie a evolução conceitual deste discente por diferentes enfoques. Desta maneira, a utilização dos registros (orais, pictóricos, textos, cálculos) para que o aluno comunique, registre seu modo de solucionar um determinado problema, pode evidenciar os diferentes caminhos e estágios pelo qual o pensamento foi se constituindo ao longo da atividade de resolução do problema matemático, além de possibilitar que seja explicitada, em sala de aula, a variedade de maneiras utilizadas na resolução de um mesmo problema.
Segundo Cavalcanti (2001), quando se propicia um espaço para que alunos e professores reflitam a respeito dos problemas a serem resolvidos, então se favorece a formação do pensamento matemático de um modo autônomo, visto que os alunos pensam sobre a questão, elaboram estratégias e registram suas soluções ou recursos para chegar ao resultado final sem se apegarem às regras e crenças tão presentes em aulas de Matemática. Nesse sentido, cabe ao professor perceber que, [...] a valorização dos diferentes modos de resolução apresentados pelas crianças inibe o desenvolvimento de algumas atitudes inadequadas em relação à resolução de problemas, como, por exemplo, abandonar rapidamente um problema quando a técnica envolvida não é identificada, esperar que alguém resolva, ficar perguntando qual é a operação que resolve a situação, ou acreditar que não vale a pena pensar mais demoradamente para resolver um problema (CAVALCANTI, 2001, p. 126).
Entretanto, a autora ressalta que é natural surgirem resoluções incorretas quando os alunos são incentivados a se expressarem livremente. Nesse sentido, além de se garantir o clima de respeito e confiança em sala de aula, o professor pode adotar várias estratégias para que o aluno se sinta à vontade para lidar com a situação do erro, tais como: discutir com o grupo de alunos o motivo da resolução incorreta; possibilitar que seja revista a estratégia de resolução para localizar o erro e reorganizar os dados em busca de nova resolução; propor atividades que favoreçam aos alunos refletirem sobre o erro.
Vale destacar que trabalhos pautados na Resolução de Problemas, podem ser desenvolvidos a partir de várias possibilidades. Por exemplo, Dante (1999), propõe o trabalho pautado no esquema desenvolvido por Polya, ou seja, a resolução de um problema matemático é desencadeada pela passagem de quatro etapas.
A primeira é a compreensão do problema, a qual se refere à identificação do que o problema está pedindo/perguntando; quais dados/informações são apresentados no problema.
Na segunda etapa, o aluno deve elaborar um plano, ou seja, criar um plano de ação de modo a relacionar os dados do problema com o que ele está pedindo.
A etapa seguinte é caracterizada pela execução do plano elaborado, constituindo-se no momento da efetivação de todas as estratégias pensadas para a resolução do problema.
A última etapa é a da verificação ou retrospecto, cujo propósito é o de analisar a solução obtida, repassando-se todo o problema, para que o aluno possa como pensou inicialmente a estratégia selecionada e caminho trilhado para obter a solução.
Pela perspectiva de Smole, Diniz e Cândido (2000), sugerem situações-problema geradas a partir de brincadeiras infantis (amarelinha, pular corda, caçador ou queimada, lenço atrás, entre outras), ou seja, após os alunos realizarem a brincadeira o professor pode propor algumas problematizações, tais como: quantas casas tem a amarelinha? Saindo da casa onde está o 7? Por quais casas passamos para chegar ao 2? Represente o diagrama da amarelinha? Quais formas geométricas estão presentes? Já, em relação à brincadeira de pular corda, pode-se iniciar questionando a respeito das diferentes maneiras de pular corda (zerinho, cobrinha, entre outras) e, após experimentarem tais maneiras problematizar perguntando sobre quais delas o aluno obteve mais êxito e o motivo disso acontecer. Segundo as autoras, este tipo de atividade propicia que o aluno vivencie situações reais a serem resolvidas, as quais além de despertarem o prazer de estudar matemática também desencadeiam ações próprias para a resolução de um problema: identificação de dados, mobilização de conhecimentos matemáticos dos alunos, construção de uma estratégia, organização na busca de solução, análise do processo e validade da resposta.
Guérios et al (2005), sugerem a proposição de situações-problema a partir de textos, como histórias da literatura infantil, histórias em quadrinhos, artigos publicados pela mídia escrita (jornais, revistas), receitas da culinária, encartes de mercado e/ou folders de propagandas, figuras (obras de arte, fotografias), jogos, brincadeiras e experimentos com o manuseio de materiais didáticos e tecnológicos. Nesse sentido, é preciso observar se a fonte do problema (o texto, a figura, a brincadeira, o jogo ...) apresenta informações matemáticas (números, medidas, formas geométricas...) e, também, se o material selecionado está adequado ao ano escolar em questão.
Por exemplo, a proposição de situações-problema a partir da figura de uma obra de arte, se constitui em uma possibilidade significativa para alunos ainda não leitores, visto que os problemas e suas soluções podem ser elaborados oralmente (GUÉRIOS et al, 2005, p. 31). Ressalta-se, ainda, que o estudo da Matemática a partir da abordagem de textos, também, permite a investigação matemática em contextos que, aparentemente, não possuem relação com esta área do conhecimento. Segundo estes autores, em um trabalho pautado na Resolução de Problemas, a avaliação da aprendizagem pode ocorrer, tanto por meio da análise das estratégias e procedimentos desenvolvidos pelos alunos nas resoluções dos problemas quanto pela habilidade de eles serem os propositores das situações-problema, ou seja, os enunciados elaborados pelos alunos fornecem indícios a respeito do modo como eles estão compreendendo o conteúdo matemático em estudo.
Em se tratando dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pode-se observar a apropriação que o aluno faz dos conceitos matemáticos, por exemplo, se faz uso da linguagem e simbologia matemática (primeiro/segundo – 1º/2º...; maior/menor - > / <.. organização das informações – tabelas, gráficos), se evidencia noções de grandezas, medidas e de topologia (tamanhos, proporcionalidade, localização espacial,...); se apresenta procedimentos relacionados ao conhecimento numérico e algorítmicos (notações numéricas, contagem, diferentes tipos e classificações de números – Naturais, Racionais e outros – e classificações variadas (números primos, pares/ímpares,...), além de noções operacionais por meio de algoritmos relacionados à adição, subtração, multiplicação e divisão.
Conforme já mencionado anteriormente, a perspectiva da Resolução de Problemas compreende, também, a possibilidade de trabalho a partir do desenvolvimento de atividades lúdicas, tais como: a abordagem à literatura infantil, às brincadeiras, aos jogos didáticos envolvendo conteúdos matemáticos e à manipulação de materiais didáticos. Entretanto, tais atividades lúdicas no contexto educativo para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental não representam somente uma alternativa de proposição de problemas, mas também, uma perspectiva de ensino-aprendizagem que envolve a idéia do aprender brincando, do despertar de interesses e, ainda, contribui para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social dos alunos de um modo significativo. Por esse viés, ressalta-se que, os ambientes onde os materiais didáticos são utilizados favorecem a aprendizagem do aluno, mas se alerta que nenhum material basta por si só e, os alunos, nem sempre conseguem relacionar as experiências concretas com o conhecimento matemático escolar.
Segundo Passos (2006), os materiais didáticos no ensino da Matemática devem ser vistos como instrumentos para mediação na relação professor, aluno e conhecimento e, também, requer certos cuidados com a escolha dos mesmos, indo além do fator motivação, pois “[...] envolvem uma certa diversidade de elementos utilizados principalmente como suporte experimental na organização do processo de ensino e aprendizagem” (PASSOS, 2006, p. 78).
É preciso atenção à seleção de materiais didáticos adequados ao conteúdo e ao nível de escolarização e, também, à distância existente entre o material e as relações matemáticas pretendidas. [...] pode servir para apresentar situações nas quais os alunos enfrentam relações entre os objetos que poderão fazê-los refletir, conjecturar, formular soluções, fazer novas perguntas, descobrir estruturas. Entretanto, os conceitos matemáticos que eles devem construir, com a ajuda do professor, não estão em nenhum dos materiais de forma que possam ser abstraídos deles empiricamente. Os conceitos serão formados pela ação interiorizada do aluno, pelo significado que dão às suas ações, às formulações que enunciam, às verificações que realizam (PASSOS, 2006, p. 81).
Nesse sentido, entende-se que a adoção de materiais didáticos (ábacos, material dourado, sólidos geométricos, embalagens diversas, palitos de sorvete, tampinhas de garrafas, calculadora, entre outros) é de fundamental importância para a aprendizagem dos alunos desde que mediada pela ação docente, pois pode se constituir em uma maneira de os discentes compreenderem o como e o para quê aprenderem Matemática, a partir da formação de ideias e modelos e, também, deixarem de lado certos mitos relacionados a essa área do saber. Ainda, no que se refere aos materiais didáticos, destaca-se os recursos tecnológicos (calculadoras e computadores), os quais estão, a cada dia, mais presentes nas atividades cotidianas das pessoas. O acesso a esse tipo de material pode ser viabilizado tanto por um viés investigativo como por meio do desenvolvimento de projetos de ensino. Por exemplo, podem-se propor aos alunos, investigações de questões a serem resolvidas com o uso da calculadora, como fazer aparecer no visor da máquina o número 675 sem que sejam utilizadas as teclas referentes aos algarismos deste número. Para isso, o aluno terá que fazer anotações do modo como procedeu para encontrar o número solicitado. A socialização das diferentes possibilidades de resolução desta questão permite, aos alunos, perceberem e avaliarem outros caminhos para a resolução de uma mesma situação.
Em relação ao uso do computador, o mesmo pode ser utilizado para a elaboração de gráficos que representem os resultados obtidos a partir de um projeto de pesquisa/estudo desenvolvido com os alunos a respeito de determinada temática, por exemplo, um projeto sobre os preços do pão francês e do leite de pacote do comércio existente ao redor da escola. Após a coleta dos preços e da organização de tabelas com os preços coletados é possível elaborar gráficos que representem os dados obtidos. Nesse sentido, alguns softwares facilitam a geração de diferentes tipos de gráficos (coluna, barra, setor, entre outros) em relação ao mesmo grupo de dados. Possibilitar aos alunos terem acesso a esse tipo de material é, de certa forma, contribuir para a sua formação e inserção no mundo social.
Em relação às brincadeiras e aos jogos, pesquisadores da área revelam que tais ações estão presentes no cotidiano dos seres humanos, no entanto, para as crianças o jogar e o brincar, além de se constituírem em algo próprio de suas faixas etárias também são muito importantes para seu desenvolvimento.
No universo das crianças, jogos e brincadeiras ocupam um lugar especial. Nos momentos em que estão concentradas em atividades lúdicas, as crianças envolvem-se de tal modo que deixam de lado a realidade e entregam-se às fantasias e ao mundo imaginário do brincar (RIBEIRO, 2008, p. 18). Desta maneira, a associação da brincadeira e dos jogos com situações de ensino pode desencadear, no aluno, um processo de interesse e significação na construção de novos conceitos matemáticos, visto que ele terá que desenvolver estratégias para alcançar o objetivo do jogo.
Ressalta-se que a incorporação do jogo, em sala de aula, favorece, também, o desenvolvimento da criatividade e do respeito mútuo, do senso crítico, da participação, da observação e das várias formas de uso da linguagem (GRANDO apud RIBEIRO, 2008). Nesse sentido, é possível encontrar na literatura específica ao tema uma ampla variedade de possibilidades de uso de jogos nas aulas de Matemática. Por exemplo, Guérios e Zimer (2002) sugerem como desenvolvimento de práticas pedagógicas com jogos a construção do material em si. Tal construção pode ser realizada sob dois enfoques: os jogos construídos pelo professor e os jogos construídos pelos alunos, mas mediados pelo professor. No primeiro, o professor constrói o jogo e o leva pronto para a sala de aula. No segundo enfoque, quem elabora as questões que irão compor e dinamizar o jogo são os próprios alunos. Essa dinâmica envolve o aluno em um exercício intelectual que exige o conhecimento a respeito do conteúdo matemático que está sendo trabalhado. Já Ribeiro (2008), sugere que nas situações em que o jogo é elaborado pelo professor, seja desenvolvido em sala de aula uma atividade de investigação matemática, por meio de relatórios escritos pelos alunos a partir da ação de jogar.
Nestes relatórios, os alunos poderão apresentar suas ideias a respeito dos resultados e conclusões obtidas com a atividade e, ainda, revelarem as estratégias traçadas durante o jogo. Já em relação, aos jogos elaborados pelos alunos, a autora ressalta a necessidade de eles produzirem um esboço da proposta do jogo antes da confecção final do mesmo, visto que muitas das dificuldades e dúvidas em relação ao conteúdo podem ser evidenciadas ainda nesta fase do trabalho. Ribeiro (2008) destaca também, que tanto os relatórios quanto as observações a respeito do conhecimento do aluno, evidenciadas durante a construção do jogo, podem se constituir em possibilidades avaliativas da aprendizagem do aluno e investigativas da ação pedagógica do professor.
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"A geração do novo na história, dá-se freqüentemente de modo imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante. É exatamente por isso que a “qualidade” do novo pode passar despercebida." (Milton Santos).
terça-feira, 8 de março de 2016
Alguns aspéctos metodológicos no ensina da matemática
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